O preguiçoso (conto jocoso)
Enquanto o livro Contos e fábulas do Brasil não vem a lume, publicarei algumas histórias extraídas da coletânea, para conhecimento do leitor. Escolhi, para abrir esta etapa do nosso blog, o conto O preguiçoso por mais de um motivo. É uma mistura de conto popular e romance cantado (vale lembrar o ABC do preguiçoso, música gravada por Xangai) e traz um tema tão caro às facécias: o pecado capital da preguiça. O tema foi estudado, ainda, pelo cantador Aldy Carvalho em interessante estudo ainda inédito.
Divirtam-se!
Divirtam-se!
Imagem de abertura da seção dedicada aos contos jocosos (por Severino Ramos)
O preguiçoso
Um homem preguiçoso vivia com a mulher muito trabalhadeira. A casa deles era de vara, e a mulher, cansada de passar frio, teve que encher as paredes sozinha: carregou todo o barro e fez o serviço, enquanto o marido permanecia o dia todo deitado no chão, palitando os dentes e pitando seu cigarro de palha.
Tudo o que a mulher mandava fazer, ele vinha com uma desculpa para não realizar o serviço. Um dia, ela disse:
— Marido, vai ao mato caçar uma paca gorda pra nós fazer um cozido gostoso.
E o preguiçoso vinha com a desculpa:
— Ô minha veia, você quer meu mal?! Pra eu armar uma arapuca, tenho que pegar no machado, ele bate no meu pé e, aí, é desgraceira na certa! No mato tem onça. Se a onça me pega, me come. É melhor ficar por aqui.
A mulher se azoretava e dizia:
— Então, marido, levanta daí e vai botar um roçado, que a chuva já tá pra chegar!
— Mulher, a chuva que Deus dá no roçado dá no mato também. Não precisa de tanta arribação!
E a mulher, que já não aguentava mais, dizia:
— Miserável, marido, como você
era melhor não ter.
Cachorro há de te latir
e cobra há de lhe morder.
Tanta preguiça,
só falta ser enterrado vivo,
e é isso que eu vou fazer!
Ele achou boa a ideia, já que não precisaria mais se levantar nem para fazer as necessidades. Então a mulher chamou uns homens para sepultar o preguiçoso. Puseram-no na rede e tocaram o cortejo. Na estrada, um compadre dele vinha montado a cavalo e, vendo a rede, perguntou:
— Meu compadre morreu e ninguém me avisou?
— Morreu não, compadre, mas prefere ser enterrado vivo a ter que levantar uma palha do chão. Esse homem não trabalha nem pro seu sustento, e eu já não aguento mais!
O compadre, então, ofertou:
— Para não enterrar meu compadre, eu ofereço um saco de feijão, outro de arroz e um cacho de banana.
O preguiçoso, ouvindo a proposta, espichou o pescoço para fora da rede e perguntou:
— Ô compadre, me responda uma coisa: esse feijão é debulhado?
— Não.
— E esse arroz e esse cacho de banana vêm com casca ou sem casca?
— Com casca!
Então, para surpresa de todos, o preguiçoso completou:
— Prossiga o enterro!
Maria Magalhães Borges,
Serra do Ramalho, Bahia.
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